Saturday, June 02, 2007


PORTO DAS CAIXAS- PAULO CESAR SARRACENI- 1962

Durante a Mostra Mário Carneiro (quem não souber de quem se trata favor procurar no Google) o principal evento cinematográfico em Maio, aqui no Rio de Janeiro, no que diz respeito ao cinema brasileiro,que contou com curadoria de Daniel Caetano, da Contracampo e outras praias, Io Blog só pôde, por questões várias que não cabem aqui, estar em duas sessões. Em uma assistimos à nova cópia de "Porto das Caixas", clássico do Cinema Novo, fotografia de Mário Carneiro, argumento de Lúcio Cardoso e direção de Paulo Cesar Sarraceni. O filme, possivlemente a melhor incursão de Sarraceni como diretor de cinema, em sua estréia como longa-metragista, reúne alguns elementos do Cinema-Novo combinados a características próprias que fazem desse filme um objeto que pode ser deslocado para fora do corpo de filmes mais identificados ao Cinema Novo como o próprio "Desafio" (1965) de Sarraceni.
A fotografia de "Porto Das Caixas"apresenta uma estilização que não é comum ao "Cinema Novo". Mesmo aproveitando basicamente dos recursos de luz natural a fotografia de "Porto das Caixas" tem uma atmosfera que desloca a narrativa do espaço realista, mais comum ao Cinema Novo (exceto Glauber em "Deus e o Diabo" e "Terra em Transe" mas por outras vias) para uma atmosfera que tem algo de um cinema de vanguarda dos anos 20, apesar da história, com ecos da tragédia grega, ter um conteúdo que levanta questões, principalmente a da emancipação da mulher, na figura da atriz Irma Alvarez, coincidentemente falecida este ano. Na pequena cidade do interior, sufocada pela pobreza espiritual e material de sua vida com seu marido (Henrique Bello) ela tece sua trama visando sua libertação, através da morte do marido (divórcio naquela época nem em sonho) que a possibilite fugir daquela situação. Podemos até ver essa narrativa, dentro do projeto do Cinema Novo, como uma metáfora do Brasil como um país que deveria fugir de uma dominação "imperialista" para uma sociedade mais justa e igualitária. Mas hoje, cremos que o que interessa mais no filme é essa busca da personagem de Irma por uma linha de fuga. Nosso cinema continua nesse caminho mais de 40 anos depois. A outra sessão em que estivemos, de curtas dirigidos por Mário Carneiro, comentaremos depois.

Sunday, May 13, 2007


PROIBIDO PROIIBIR- JORGE DÚRAN- 2007

Uma característica, triste, do cinema brasileiro é que as condições econômicas de sua produção às vezes impões longos exílios a seus realizadores. Joge Dúran, chileno radicado no Brasil, havia dirigido seu último filme há mais de 20 anos "A Cor do Seu Destino"(1986) mantendo, em paralelo, uma prolífica carreira de roteirista "Pixote, a Lei do Mais Fraco" (1981), "A Maldição do Sampaku" (1991), "Como Nascem os Anjos" (1996) etc. Agora ele retorna com um filme ímpar sobre a juventude brasileira, um filme que não pretende ser tese sociológica e nem investigação da condição econômica e política de nossa juventude e sim, antes de tudo, cinema. E, sendo cinema, consegue com sucesso realizar todos aqueles propósitos acima descritos sem que o espectador, a princípio, se aperceba disso. Assim deve sempre um filme operar, ele será político se sua forma conseguir tocar o espectador em conjunto com seu conteúdo produzindo no espectador uma forma de afetação que é diferente daquela de um livro, de um jornal, de uma tese. Que é própria da arte.
O tema do triângulo amoroso entre amigos no cinema logo nos remete a "Jules & Jim", que , acredito, deva ser uma referência cara a Durán. Mas aqui não temos a trsiteza européia e francesa do filme de Truffaut, aliás um dos cineastas mais melancólicos do cinema-moderno. Em "Proibido Proibir" não há lugar para uma trsiteza "existencialista". Há muito o que fazer, muito o que construir, mesmo para o, aparentemente, cínico e hedonista estudante de medicina interpretado por Caio Blat. Aos poucos ele vai sendo atravessado pelas pessoas com quem convive no filme (em especial uma paciente que sofre de leucemia e que será o centro da trama "social" do filme) assim como somos atravessados pelo filme. O percurso dos três amigos, Alexandre Rodrigues, Maria Flor e Caio Blat os conduz a dois caminhos inicialmennte paralelos que irão se atravessar no final do filme: um amor "proibido" que nasce entre a namorada de Alexandre e o médico e a busca pela salvação de um dos filhos da paciente de Caio, o que os leva a penetrar no universo incômodo de nossas periferias e seus esquemas de poder paralelos. Ambos os processo são dolorosos e complicados, talvez além das possibilidades que esses jovens possuem, ilhados numa cidade que abandonou o progresso modernista, projeto falido (não à toa o filme tem a visita de Maria Flor ao prédio do MEC, projeto de Niemeyer, Le Corbusier e outros arquitetos importantes dentro do movimento modernista e termina com as ruínas de um projeto de Niemeyer na Rio-Petrópolis). Ilhados então num mundo além de suas forças o que permite a eles seguirem seu caminho é o amor, assim como o cinema às vezes nos ajuda a seguir os nossos caminhos, se tiver amor à vida e ao própio cinema.

Tuesday, May 01, 2007


OS DOZE TRABALHOS- RICARDO ELIAS- BRASIL-2006

O cinema brasileiro é formado por uma legião de esquecidos/redescobertos. A primeira vítima de peso desse processo foi Silvino dos Santos, o cineasta da selva. Autor da obra-prima “No País das Amazonas” (1923) foi relegado ao esquecimento nos anos 30 só sendo redescoberto em 1970 por ocasião de um congresso de cinema em Manaus. Outro nome dessa lista é Lulu de Barros, nosso cineasta mais prolífico, com mais de 80 longas e autor de um livro, “Minha Memórias de Cineasta”, editado nos anos 70 pela Embrafilme e atualmente fora de catálogo, fundamental para o estudo de nosso cinema. Ele seria depois recuperado pela turma de Sganzerla e Bressane na Belai, em filmes que continham amplas referências às chanchadas desse pioneiro. Depois a turma das chanchadas da Atlântida seria esquecida/renegada pelo Cinema-Novo e depois redescoberta pelos “marginais”, sendo definitivamente incluída na academia como objeto de estudos sérios nos anos 80/90. E assim iríamos falando da Boca-do-Lixo e de outros fenômenos de artistas esquecidos como muitos do “cinema-marginal”, como um Andrea Tonacci, que poucos conhecem, para serem redescobertos.

Esse parece ser o caso do cineasta paulistano Ricardo Elias, oriundo da Escola de Cinema da Usp (incrível como no Brasil ainda há gente que tenha preconceito contra escolas de cinema...) Seu 1º longa, “De Passagem”, já apontava os caminhos desse cineasta para a realização de filmes que lidam com as mazelas oriundas daqueles desfavorecidos economicamente, que no Brasil constituem a imensa maioria da população. Mas que vivem vidas, que no fundo, são tão parecidas com as de quaisquer um de nós com melhor condição econômico-social. Assim Ricardo olha seus personagens, não como objetos de um ensaio sociológico ou criaturas exóticas de outras realidades mas como personagens brasileiros situados em um meio específico que não os torna mais ou menos humanos.

Em “Os Doze Trabalhos” Elias retorna ao campo da investigação abordado em “De Passagem”, com tintas, aparentemente mais leves mas que no decorrer da narrativa apontam para aquilo que os gregos, criadores do mito de Heracles, nome do protagonista do filme, um motoboy, criaram: a tragédia. Não que a tragédia nos dias de hoje se dê por uma trama urdida pelos deuses e sim por um conjunto de fatores econômicos, humanos e sociais que levam, em algum momento, a um desenlace trágico como o que ocorre no filme. Mas o que impressiona fortemente no cinema de Ricardo Elias é, além da maneira com que filma seus personagens com dignidade a sua economia, o reconhecimento de sua próprias limitações. O maior exemplo disso é a cena em que Heracles se depara com o destino trágico que o filme destina a um de seus personagens. Nada espetacularizado, como vemos em certos filmes brasileiros como “Contra Todos” (2004), em que a imagem mata o cinema, ou o cinismo dos filmes de Sergio Bianchi como “Quanto Vale ou é Por Quilo?” (2005) em que a precariedade das imagens, no sentido pior possível, se alia a um projeto de nada, em termos de vida e de cinema. Nos filmes de Ricardo Elias, se não temos nada de virtuoso, sobra carinho pelo cinema e seus personagens.

O público não prestigiou este filme. Na sessão em que estive, num domingo à noite, sala vazia. Quem sabe um dia esse cineasta seja (re) descoberto. Enquanto isso vamos todos ver 300.

Tuesday, September 05, 2006


Ganga Bruta (1933)- Humberto Mauro

Se existe um filme no Brasil ao qual podemos colocar a alcunha de "clássico" essedfilme é "Ganga-Bruta". Revisto pelo blog recentemente em uma cópia excelente o filme não perdeu nada da aura que Glauber Rocha lhe deu ao escrever "Revisão Crítica do Cinema Brasileiro". Mas naqueles idos dos anos 30 este filme foi absolutamente incompreendido e um tremendo fracasso da Cinédia, o que acabou causando brigas séria e o rompimento entre Adhemar Gonzaga e Mauro. A partir dos anos 50 o filme foi recuprando seu prestígio e, com a elevação por Glauber de Mauro a patriarca do cinema brasileiro o filme encontrou seu panteão de clássico que mantém até hoje. Algumas coisas soltam aos olhos imediatamente ao assistirmos ao filme. A primeira são as angulaçõess fantásticas de câmera que Mauro imaginou para o filme, como nas cenas passadas na construção da cidade do iterior ou a perseguição que o protogonista do filme, o misto de galã e sociopata Dr. Marcos empreende ao seu amor do interior, Sônia, sequência inspirada em um filme de King Vidor, um ídolo para Adhemar Gonzaga, La Bohéme. O filme também foi uma sdas primeiras produções brasileiras faladas, pelo antigo sistema Vitaphone, apesar da maior parte do filme ser mudo, causando um interessante constraste que o filme alimenta entre realismo e expressionismo. Nas cenas de briga no bar, impressionantemente montadas, vemos uma mistura de humor e ação que seria uma marca registrada de John Ford. E como esquecer o gárgula Luiz Villar, bizarro uso de uma máscara pelo cinema, figura que nos remete aos melodramas de Victor Hugo? Como o nome indica, "Ganga-Bruta" é um cinema físico, absolutamente orgânico, de movimento, de certa forma bruto mas que consegue cristalizar uma enorme visulaidade-cinematográfica. Sob outro prisma, Glauber faria o mesmo em "Deus e o Diabo Na Terra do Sol."

Wednesday, August 30, 2006


Cabra Marcado Para Morrer (1984)- Eduardo Coutinho
Eduardo Coutinho virou uma escola de documentários nos últimos anos, estabelecendo um méotodo de tratar grandes temas através de um mosaico que estabelece através de uma série de entrevistas. Esses temas são geralmente difusos e o próprio Coutinho não estabelece uma tese sobre eles, deixando que seus entrevistados ofereçam várias respostas e questões. É assim que ele trabalha a religiosidade em "Santo Forte" (1999) ou a vida num grande centro urbano em "Edifício Master" (2002). As origens cinematográficas desse processo, no entanto, estão nesse filme, originado como um projeto do CPC da UNE sobre a morte de um líder camponês, um pioneiro na criação das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, criador da Liga do Sapê na Paraíba. A idéia original era fazer um filme de ficção com atores locais, no caso de uma comunidade rural de Galiléia no Pernambuco. A mulher de João, Elizabeth, era a única que fazia seu próprio papel. Coutinho, que já havia viajado pelo Nordeste filmando as caravanas da cultura do CPC era o diretor encarregado do projeto. Tudo ia bem, quase metade do filme já havia sido filmado, quando o Golpe de 64 acontece e as forças armadas locais apreendem o material de filmagem, acusado de ser subversivo. Em 1981, com a distensão do regime militar, Coutinho retorna para retomar o que havia deixado em suspenso. Mas agora, em forma de documentário, regatar as memórias e as pessoas que haviam participado daquele projeto em 1964. Como um detetive Coutinho vai em busca do núcleo do projeto de 64, a família de João Teixeira, destruída por sua morte e pela perseguição a sua mulher, também líder camponesa. E Coutinho então começa a ativar seu processo de dar voz aos objetos de pesquisa de seu filme, descortinando a terrível diáspora que a ditadura militar obrigou à família de João Pedro. Recentemente Elizabeth recebeu uma indenização superior a 400 salários-mínimos da comissão de anistia. Antes tarde do que nunca...

Wednesday, August 23, 2006


Câncer (1968-1972)- Glauber Rocha

Em 1967 "A Margem", de Ozualdo Candeias, inaugura um estilo de filmes que ficou conhecido na historiografia do nosso cinema como "Cinema Marginal". Glauber Rocha não foi nada simpático a esse novo estilo, detonando clássicos como "O Bandido Da Luz Vermelha" (1968), Rogerio Sganzerla, acusando o filme de diluir a densidade de pensamento necessária a ser aplicada em um cinema brasileiro sério. Para Glauber, do alto de sua megalomania ou, se preferirmos, autoridade histórica, só haveria um verdadeiro filme""marginal" e esse seria o seu "Câncer", relaizado no beco-da-fome carioca em 1968 para testar o som direto magnético do Nagra, até então pouquíssimo usado no cinema brasileiro. Reunindo atores que participariam de "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", que logo começaria a ser filmado, Glauber montou esse laboratório de interpretação em 16mm que tem em Hugo Carvana a grande estrela, magistral nos trejeitos de um malandro-marginal carioca. O filme, além de Odete Lara e Antônio Pitanga, conta também com Helio Oiticica em sua primeira participação no cinema como "ator". Um elemento do filme que imediatamente chama a atenção e que até então estava ausente do cinema de Glauber é o humor. O filme tem cenas MUITO engraçadas, como o diálogo do casal Carvana e Lara discutindo a relação. Glauber aproveitou na momtagem final do filme, feita em 1972, até problemas técnicos como a falta de sincronia do gravador e da câmera, corrigida deixando a voz dos atores mais "lenta", como num disco tocado na rotação errada. Filmado pouco antes do AI-5 "Câncer"já é uma espécie de prenúncio do período de trevas que passaríamos logo a viver no Brasil e do qual ate hoje não nos recuperamos plenamente. É também um alívio interessante do tipo de cinema que Glauber fazia e continuaria a fazer, sua ínica obra "marginal". Talvez se tivesse se permitido fazer mais filmes assim estaria vivo até hoje.

Saturday, August 19, 2006


Toda Donzela Tem Um Pai Que É Uma Fera (1966)- Roberto Farias

Enquanto os cinemanovistas procuravam fazer um cinema que unisse experimentação e sofisticação estética, sendo muitas vezes bem-sucedidos, havia no Brasil daquela época, como já citamos aqui neste blog, outras correntes de cinema. Roberto Farias, diretor que já havia obtido extraordinário sucesso de bilheteria com "Assalto ao Trem Pagador" (1961), entre outros filmes, seguia investindo em um cinema de natureza popular. Neset exemplar Roberto se vale do texto de uma peça de enorme sucesso nos teatros cariocas, escrita por Glaucio Gil e realiza um filme que, se não possui qualidades especiais no que concerne à linguagem do cinema (apesar da genial citação ao cinema-novo japonês quando Roberto congela um "frame"no meio do meio do movimento de um plano) é o perfeito protótipo do que seria a pornochanchada carioca que explodiria nos anos 70, juntamente com seu primo-irmão, o cinema erótico da boca-do-lixo. Quase todos os elementos das pornochanchadas, que tem como base a comédia de costumes, surgida a partir de situações tabus dentro do comportamento da classe-média (aqui a questão da liberdade sexual dos anos 60 oposta ao modelo tradicional do casamento dá origem às situações cômicas do filme) estão presentes no filme. Faltam apenas as cenas de nudez, que aqui ficam apenas sugeridas e que seriam exploradas dignamente nos anos 70. Uma pena apenas o filme ter um desfecho moralista o que, alías, não seria uma regra desse tipo de filme, principalmente nos da Boca-do-Lixo. A fotografia é do grande Ricardo Aronovich e temos John Herbert, que seria um dos astros do gênero, brilhante como "o libertino".