OS DOZE TRABALHOS- RICARDO ELIAS- BRASIL-2006
O cinema brasileiro é formado por uma legião de esquecidos/redescobertos. A primeira vítima de peso desse processo foi Silvino dos Santos, o cineasta da selva. Autor da obra-prima “No País das Amazonas” (1923) foi relegado ao esquecimento nos anos 30 só sendo redescoberto em 1970 por ocasião de um congresso de cinema em Manaus. Outro nome dessa lista é Lulu de Barros, nosso cineasta mais prolífico, com mais de 80 longas e autor de um livro, “Minha Memórias de Cineasta”, editado nos anos 70 pela Embrafilme e atualmente fora de catálogo, fundamental para o estudo de nosso cinema. Ele seria depois recuperado pela turma de Sganzerla e Bressane na Belai, em filmes que continham amplas referências às chanchadas desse pioneiro. Depois a turma das chanchadas da Atlântida seria esquecida/renegada pelo Cinema-Novo e depois redescoberta pelos “marginais”, sendo definitivamente incluída na academia como objeto de estudos sérios nos anos 80/90. E assim iríamos falando da Boca-do-Lixo e de outros fenômenos de artistas esquecidos como muitos do “cinema-marginal”, como um Andrea Tonacci, que poucos conhecem, para serem redescobertos.
Esse parece ser o caso do cineasta paulistano Ricardo Elias, oriundo da Escola de Cinema da Usp (incrível como no Brasil ainda há gente que tenha preconceito contra escolas de cinema...) Seu 1º longa, “De Passagem”, já apontava os caminhos desse cineasta para a realização de filmes que lidam com as mazelas oriundas daqueles desfavorecidos economicamente, que no Brasil constituem a imensa maioria da população. Mas que vivem vidas, que no fundo, são tão parecidas com as de quaisquer um de nós com melhor condição econômico-social. Assim Ricardo olha seus personagens, não como objetos de um ensaio sociológico ou criaturas exóticas de outras realidades mas como personagens brasileiros situados em um meio específico que não os torna mais ou menos humanos.
Em “Os Doze Trabalhos” Elias retorna ao campo da investigação abordado em “De Passagem”, com tintas, aparentemente mais leves mas que no decorrer da narrativa apontam para aquilo que os gregos, criadores do mito de Heracles, nome do protagonista do filme, um motoboy, criaram: a tragédia. Não que a tragédia nos dias de hoje se dê por uma trama urdida pelos deuses e sim por um conjunto de fatores econômicos, humanos e sociais que levam, em algum momento, a um desenlace trágico como o que ocorre no filme. Mas o que impressiona fortemente no cinema de Ricardo Elias é, além da maneira com que filma seus personagens com dignidade a sua economia, o reconhecimento de sua próprias limitações. O maior exemplo disso é a cena em que Heracles se depara com o destino trágico que o filme destina a um de seus personagens. Nada espetacularizado, como vemos em certos filmes brasileiros como “Contra Todos” (2004), em que a imagem mata o cinema, ou o cinismo dos filmes de Sergio Bianchi como “Quanto Vale ou é Por Quilo?” (2005) em que a precariedade das imagens, no sentido pior possível, se alia a um projeto de nada, em termos de vida e de cinema. Nos filmes de Ricardo Elias, se não temos nada de virtuoso, sobra carinho pelo cinema e seus personagens.
O público não prestigiou este filme. Na sessão em que estive, num domingo à noite, sala vazia. Quem sabe um dia esse cineasta seja (re) descoberto. Enquanto isso vamos todos ver 300.
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