Wednesday, August 30, 2006


Cabra Marcado Para Morrer (1984)- Eduardo Coutinho
Eduardo Coutinho virou uma escola de documentários nos últimos anos, estabelecendo um méotodo de tratar grandes temas através de um mosaico que estabelece através de uma série de entrevistas. Esses temas são geralmente difusos e o próprio Coutinho não estabelece uma tese sobre eles, deixando que seus entrevistados ofereçam várias respostas e questões. É assim que ele trabalha a religiosidade em "Santo Forte" (1999) ou a vida num grande centro urbano em "Edifício Master" (2002). As origens cinematográficas desse processo, no entanto, estão nesse filme, originado como um projeto do CPC da UNE sobre a morte de um líder camponês, um pioneiro na criação das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, criador da Liga do Sapê na Paraíba. A idéia original era fazer um filme de ficção com atores locais, no caso de uma comunidade rural de Galiléia no Pernambuco. A mulher de João, Elizabeth, era a única que fazia seu próprio papel. Coutinho, que já havia viajado pelo Nordeste filmando as caravanas da cultura do CPC era o diretor encarregado do projeto. Tudo ia bem, quase metade do filme já havia sido filmado, quando o Golpe de 64 acontece e as forças armadas locais apreendem o material de filmagem, acusado de ser subversivo. Em 1981, com a distensão do regime militar, Coutinho retorna para retomar o que havia deixado em suspenso. Mas agora, em forma de documentário, regatar as memórias e as pessoas que haviam participado daquele projeto em 1964. Como um detetive Coutinho vai em busca do núcleo do projeto de 64, a família de João Teixeira, destruída por sua morte e pela perseguição a sua mulher, também líder camponesa. E Coutinho então começa a ativar seu processo de dar voz aos objetos de pesquisa de seu filme, descortinando a terrível diáspora que a ditadura militar obrigou à família de João Pedro. Recentemente Elizabeth recebeu uma indenização superior a 400 salários-mínimos da comissão de anistia. Antes tarde do que nunca...

Wednesday, August 23, 2006


Câncer (1968-1972)- Glauber Rocha

Em 1967 "A Margem", de Ozualdo Candeias, inaugura um estilo de filmes que ficou conhecido na historiografia do nosso cinema como "Cinema Marginal". Glauber Rocha não foi nada simpático a esse novo estilo, detonando clássicos como "O Bandido Da Luz Vermelha" (1968), Rogerio Sganzerla, acusando o filme de diluir a densidade de pensamento necessária a ser aplicada em um cinema brasileiro sério. Para Glauber, do alto de sua megalomania ou, se preferirmos, autoridade histórica, só haveria um verdadeiro filme""marginal" e esse seria o seu "Câncer", relaizado no beco-da-fome carioca em 1968 para testar o som direto magnético do Nagra, até então pouquíssimo usado no cinema brasileiro. Reunindo atores que participariam de "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", que logo começaria a ser filmado, Glauber montou esse laboratório de interpretação em 16mm que tem em Hugo Carvana a grande estrela, magistral nos trejeitos de um malandro-marginal carioca. O filme, além de Odete Lara e Antônio Pitanga, conta também com Helio Oiticica em sua primeira participação no cinema como "ator". Um elemento do filme que imediatamente chama a atenção e que até então estava ausente do cinema de Glauber é o humor. O filme tem cenas MUITO engraçadas, como o diálogo do casal Carvana e Lara discutindo a relação. Glauber aproveitou na momtagem final do filme, feita em 1972, até problemas técnicos como a falta de sincronia do gravador e da câmera, corrigida deixando a voz dos atores mais "lenta", como num disco tocado na rotação errada. Filmado pouco antes do AI-5 "Câncer"já é uma espécie de prenúncio do período de trevas que passaríamos logo a viver no Brasil e do qual ate hoje não nos recuperamos plenamente. É também um alívio interessante do tipo de cinema que Glauber fazia e continuaria a fazer, sua ínica obra "marginal". Talvez se tivesse se permitido fazer mais filmes assim estaria vivo até hoje.

Saturday, August 19, 2006


Toda Donzela Tem Um Pai Que É Uma Fera (1966)- Roberto Farias

Enquanto os cinemanovistas procuravam fazer um cinema que unisse experimentação e sofisticação estética, sendo muitas vezes bem-sucedidos, havia no Brasil daquela época, como já citamos aqui neste blog, outras correntes de cinema. Roberto Farias, diretor que já havia obtido extraordinário sucesso de bilheteria com "Assalto ao Trem Pagador" (1961), entre outros filmes, seguia investindo em um cinema de natureza popular. Neset exemplar Roberto se vale do texto de uma peça de enorme sucesso nos teatros cariocas, escrita por Glaucio Gil e realiza um filme que, se não possui qualidades especiais no que concerne à linguagem do cinema (apesar da genial citação ao cinema-novo japonês quando Roberto congela um "frame"no meio do meio do movimento de um plano) é o perfeito protótipo do que seria a pornochanchada carioca que explodiria nos anos 70, juntamente com seu primo-irmão, o cinema erótico da boca-do-lixo. Quase todos os elementos das pornochanchadas, que tem como base a comédia de costumes, surgida a partir de situações tabus dentro do comportamento da classe-média (aqui a questão da liberdade sexual dos anos 60 oposta ao modelo tradicional do casamento dá origem às situações cômicas do filme) estão presentes no filme. Faltam apenas as cenas de nudez, que aqui ficam apenas sugeridas e que seriam exploradas dignamente nos anos 70. Uma pena apenas o filme ter um desfecho moralista o que, alías, não seria uma regra desse tipo de filme, principalmente nos da Boca-do-Lixo. A fotografia é do grande Ricardo Aronovich e temos John Herbert, que seria um dos astros do gênero, brilhante como "o libertino".

Wednesday, August 16, 2006



Estamira
Os documentários são as grandes estrelas do "cinema da retomada". Por vária razões, talvez a principal o baixo-custo de produção, se comparado ao de um filme de ficção. Isso permitiu uma enorme quantidade de documentários chegar às salas de cinema, aliás um fenômeno particular do Brasil já que no resto do mundo documentário só passa em festival, mostras ou em casos excepcionais como os filmes de Micahel Moore. E como da quantidade quase sempre sai qualidade tivemos nesse período a afirmação de Eduardo Coutinho e seu cinema do "mínimo", José Padilha e o tratado de "Ônibus 174", Paulo Sacramento e o pluricinema de "Prisioneiro da Grade de Ferro". Claro que nem tudo é beleza mas aqui não falaremos das bombas. Estamira é um filme que se alinha à produção documentária brasileira de alto-nível. Marcos Prado, fotógrafo carioca, se dedicava há vários anos em documentar o dia-a-dia do lixão de Gramacho quando descobriu uma mulher, Estamira, esquizofrênica, trabalhando no local. Começou então a jornada de descobrimento do que havia por trás daquela profeta da verdade. O filme se incia com uma cena em preto-e-branco granulado na qual Estamira enuncia suas profecias, algumas extremamente lúcidas, criando o paradoxo que é a grande força do filme. Se revezando às cenas em preto-e-branco, que ilustram a jornada de particular de Estamira pelo seu mundo de "loucura" temos as cenas em cor que mostram a face dura da realidade, da vida. Aí descobrimos como Estamira se tornou o que é através de uma trajetória de vida recheada de acontecimentos absolutamente desgraçados que detonou esse desejo de viver no mundo em "branco-e-preto" da loucura. Através dessa personagem o filme, sem apelar para discursos sociológicos, filosóficos ou psicanalíticos, apenas com a força do audiovisual, questiona o que é loucura ou sanidade. E, sem medo de errar, Estamira é muito mais sã do que alguns de nosso mais próximos conhecidos.

Thursday, August 10, 2006


Os Grandes Clássicos do Nosso Cinema- São-Paulo S.A 1965

Quando se fala de cinema brasileiro nos anos 60 logo se pensa no Cinema Novo, como se no Brasil daquela época só houvesse existido esse tipo de cinema. São-Paulo S.A, primeiro longa dirigido por Luis Sergio Person, mostra que havia outros tipos de cinema naquela época. Este filme pode ser incluído no rol daqueles com preocupações que vão além do mero entretenimento, assim como os filmes do Cinema Novo, mas as semelhanças param por aí. Primeiro, Person era paulista e morava em São-Paulo, o que já o afastava da turma carioca cinemanovista comandada pelo baiano Glauber. Segundo, sua estética não estava calcada no estilo de fotografia estourada e câmera-na-mão praticado pela galera do Cinema Novo. Person se alinhava a um estilo de fotografia mais trabalhada, influenciada pelos seus estudos de cinema na Itália, obra aqui de Ricardo Aranovitch. Terceiro, neste filme Person tem como protagonista um personagem da classe-média, REALMENTE dessa classe e não um intelectual como em "O Desafio" (1965) em que o protagonista almeja sair desse circuito. Aliás o personagem de Walmor Chagas em São-Paulo S.A não almeja nada, é tão vencido pela vida e tem tal desprezo por si mesmo e pelos que o rodeiam que vai sendo levado pelos acontecimentos sem um objetivo definido, um grande projeto que o norteie. O mal-estar que o filme causa vem desse personagem, uma espécie de reação autobiográfica de Person contra o mundo das fábricas e do capitalismo, mundo no qual Person trabalhou diretamente, em negócios de sua família. Prestes a ser lançado em DVD, São-Paulo S.A ficará mais acessível às novas gerações de cinéfilos, que certamente o erguerão sempre no panteão dos clássicos do nosso cinema.

Wednesday, August 09, 2006


Mostra Sergio Rezende

O novo centro cultural do Rio, espécie de shopping center que dá cultura aos duros, porque geralmente as atrações são de graça ou muito baratas, é a Caixa Cultural, ali na Almirante Barroso, perto ao metrô do Largo da Carioca. Tem duas salas de cinema, em uma está rolando a mostra Sergio Rezende, sobre a qual vamos falar daqui a pouco. Quanto as salas, a que o blog visitou é bem boa, muito melhor do que a do CCBB, tem a tela maior, isolamento acústico melhor e som Dolby 5.1, que o CCBB não tem. Apenas as cadeiras poderiam ser melhores. Quanto ao Sergio Rezende é um cineasta símbolo de uma tentativa, dentro do cinema da "retomada", de se fazer um cinemão a Hollywood, como mostram "Canudos", Mauá" e "Zuzu Angel". Os dois primeiros são terríveis, um é sobre uma comunidade religiosa com um poster evelando um enorme decote da Claudia Abreu o outro era um ode ao neo-liberalismo dos tempos de FHC. Na mostra, que exibe todos os seus longas e mais alguns curtase making-offs, tivemos acesso a dois filmes que revelam que esse cineasta, nos anos 80, tinha propostas mais interessantes, assim como a do seu "Quase Nada"(199), feito em meio a esses medonhos épicos. Em "O Homem da Capa Preta" (1986), a idéia é um épico à moda de seus filmes posteriores mais o tratamento parece ser de um cineasta mais interessado no seu objeto, no caso o político populista da Baixada Fluminense Tenório Cavalcanti. A grandeza da proposta não atrapalha o percurso de Rezende pela vida do político, parece que ele ainda tinha o que dizer e não era apenas um mau burocrata. Principalmente em sua segunda metade o filme demonstra um vigor raro de se ver no cinema brasileiro dos anos 80, confuso e sem-rumo como foi toda a cultura brasileira daquela década.
Em "A Útima Gota", documentário que mostra o comércio de sangue como metáfora das relações perversas do capitalismo, longa de estréia de Sergio, vemos o mesmo desejo que há em "O Homem da Capa Preta" e que depois parece ter se perdido. Em que pese ambos os filmes serem formalmente caretas, ainda se salvam pela paixão do diretor. Depois a coisa desandou.

Thursday, August 03, 2006




Os Grandes Clássicos do Nosso Cinema - Terra em Transe (1967)- Glauber Rocha

Terra em Transe corresponde a uma segunda fase do movimento cinemanovista, posterior ao golep militar de 1964, que provocou uma profunda desilusão nos meios cinematográficos ligados ao Cinema Novo, evidenciando o fracasso de um cinema e de outras propostas artísticas que buscavam o esclarecimento do povo para uma tomada de consciência e que, por vários motivos, não obtiveram sucesso. Glauber no fundo desconfiava um pouco disso, ao menos da proposta didática de arte que o CPC, ligado à UNE, propunha. "Deus e o Diabo Na Terra Do Sol" (1964), já é um filme descrente de uma solução para o Brasil que não se dê pela via da violência e tem como personagem marcante (Antônio das Mortes) um símbolo da classe-média esquizofrênica brasileira, que, em sua maioria, acabaria apoiando o golpe de 1964. Resta então a violência como um caminho possível. Três anos depois, em Terra em Transe, nem a violência mais dá resultados, o poeta Paulo Martins (um alter-ego de Glauber) acaba morto ao tentar enfrentar as forças armadas golpistas. A saída agora é somente a loucura, o Brasil é algo incompreensível mediante uma aproximação racional, somente mergulhando no caos brasileiro, nos deixando contagiar por esse caos (Artaud) podemos entender o Brasil.
Neste filme Glauber bate na esquerda populista, na direita, nos militantes estudantis, enfim, tudo é alvo para a crítica barroca do filme ao nosso país. A recepção da crítica à época foi dividida, muitos que haviam gostado de Deus e o Diabo... detestarm Terra em Transe, seu caos e a maneira como ele jogava a loucura e a impossibilidade brasileira nas nossas caras. Hoje o filme foi relançado em DVD com uma excelente restauração digital das imagens e um disco só com extras, como o documentário curta-metragem "Maranhão 66". Como filme-resposta ao golpe de 64 Terra em Transe é o grande momento do Cinema Novo e, também, seu final.

Wednesday, August 02, 2006


Memórias De Um Gigolô

Dentre os gêneros e períodos históricos do cinema brasileiro um dos menos compreendidos e estudados e mais subestimados é o da pornochanchada. No final dos anos 60 a comédia erótica, de origens italianas, começa a ser incorporada ao cinema brasileiro, pelo execelente filão de público que poderia representar, em uma época na qual nem por decreto uma mulher nua poderia aparecer na televisão. filmes de sexo-explícito também não existiam no circutio comercial mas, para os padrões da época o erotismo, que ao longo dos anos 70 aumentou geometricamente até chegar ao filme pornográfico de fato em 1982, era mais do que o suficiente para chamar multidões aos cinemas. "Memórias De Um Gigolô"(1970), de Alberto Pieralisi, diretor de origem italiana e que inclusive filmou na Europa antes de vir para o Brasil e que já possuía um amplo currículo de comédias antes de dirigir este filme. Baseado em romance de Marcos Rey, com sua ação transposta da São-Paulo dos anos 20 para o Rio de Janeiro dos anos 70 , de forma às vezes muito caricata pela direção de arte, é um exemplar que reúne todos os predicados do gênero: uma atriz de formas, digamos, interessantes, no caso Rossana Ghessa, uma superestrela do gênero, que vai aperecer nua em várias cenas; situações cômicas satirizando costumes, geralmente da classe-média (aqui são exemplares as situações envolvendo o uso de maconha e os ridículos clubes-sociais de final-de-semana, moda na época) e atores que, além de algum talento cômico, também chamassem público, até mesmo feminino, aos cinemas. Aqui temos dois nomes como Jece Valadão, um gênio e Claudio Cavalcanti, mais conhecido do público contemporâneo como ator de novelas da Globo. Exibido na sessão "Intercine Brasil" da Rede Globo, no horário bizarro de duas da manhã (é um absurdo o horário em que nosso filmes são exibidos pelas emissoras de TV), "Memórias de Um Gigolô" é um filme que precisa ser revisto por olhares menos preconceituosos.

Tuesday, August 01, 2006


O Problema da Crítica

Outro problema que impede um desenvolvimento mais amplo do nosso cinema é a quase absoluta falta de crítica especializada na imprensa periódica. No Rio de Janeiro a situação é calamitosa nos jornais. O Globo tem um bando de despreparados exercendo o papel de "críticos. O principal crítico do jornal atualmente é o Rodrigo Fonseca, que até entende de história do cinema e história do cinema brasileiro mas é de um mau-gosto terrível, aliás o crítico se dá mesmo na escolha, na capacidade de avaliar quais filmes interessam ou não. Após o sujeito ter adquirido essa capacidade, que possui muito de um elemento subjetivo mesmo e que envolvve conhecimentos de cultura humanística geral e não apenas de cinema, ele vai desenvolver sua escrita e pode concentrar mais seus estudos apenas no cinema, sua história, aspectos técnicos, etc. E o pior é que o bonequinho dos Marinho define o poder de púplico de um filme nos circuitos de arte, já que a nossa burguesia boçal em sua maioria lê esse jornal e lá escolhe que filme vai assistir nos Estação Botafogo da vida. No JB também não vemos um crítico muito interessante e há vários péssimos. Em São-Paulo nos salva Inacio Araujo e suas ótimas críticas na Folha de São-Paulo. Nas revistas semanais tínhamos Cleber Eduardo na Época mas ele foi envolvido pelos seus editores num lamentável caso de adulteramento de seu texto em meio à polêmica da Ancinav. Na Veja é melhor nem comentar a tal da Isabela Boscov mas também esperar o que da Veja?? A internet virou um refúgio da crítica mais categorizada, com exemplos como a Contracampo (www.contracampo.com.br), mas quem lê essas publicações da internet já é um público iniciado e constitui um universo muito diminuto. Enquanto não tivermos crítica de mais alto-nível na imprensa periódica ficaremos cada vez mais imersos na boçalidae cinematográfica.